I

E assim sendo poderemos acreditar, apenas. Esperar no gesto como ponte sobre o vazio. Achar condição do lado de dentro do tempo. Prumo na gravidade que nos corta o corpo onde ele sente ausência. Não porque não tem, mas porque falta e faltando existe presença que se cala em comunhão. Olho o teu cabelo e há uma treva doce que descai para a luz. Uma leveza que mexe uma folha de plátano em mim. O que é macio expande-se pelo infinito. O que é sombra repousa etéreo. A folha cai. Poderemos apenas acreditar. Mas é preciso acreditar com as mãos, com a pele, com a boca, com a ferida do olhar. Agora. E esperar que em comoção dos dedos o espaço que nos separa seja suficiente para que o toque se complete. Há tempo entre nós e haverão pedras, se a tanto a fortuna nos levar lágrimas achando lugares de oração e nesse canto cânticos inventando o percurso mais longo para o nosso afastamento. Na praia, as nossas ondas encontrar-se-ão eternamente deitadas.



II

Estou sem tempo para te fazer chegar. É com outra saudade o vento, a forma de como as copas dos ciprestes falam com a natureza moribunda. E como é certo que todos procuramos o vazio, como os pássaros debicam o repente e depois perscrutam com o olhar de lado a impassibilidade do azul. De que nos falarão os resquícios, os gorjeios em que se misturam o vazio da nossa respiração e a saliva licorosa das teias que nos nascem dos dentes? Somos uma boca aberta às estações, uma gruta cavernosa de amparo e armadilha. E tudo é o mesmo uno em que se encontra o indestinto a doer no nosso interior as distinções que fazemos. Mais não pense eu ser dono do cavalo que me veio correr a dor.



III

Nem uma palavra. Nada. E no entanto antes da manhã um silêncio de recomeço. Saberemos nós que a esperança é uma verdade esquecida no nosso corpo - esquecida - derramada no nosso corpo - esquecida? Há um conceito de onda electromagnética que a todos nos une, uma linguagem humana que nos faz partilhar das gravidades, dos instantes reflexos na nossa mudez mordida nos lábios e destrinçada após largos rasgos de cumplicidade. E este invariavelmente só, de uma dádiva gratuita de não pudermos agradecer a ninguém com quanto antes ter uma noite, estender no abraço do vazio os braços talvez descaídos e sentir que algo nos agradece também. Sempre que os órgãos do magistério público são céleres a responder e ficamos nós com a resposta tão premente de humanidade.



IV

Será então o despertar adiado para o juízo final a única resposta que alguma vez iremos receber do universo. A única fala das coisas é a brisa descobrindo os lençóis do tempo que deixamos cair. Parece-me por isso que caminhas sobre as poeiras, ainda que o teu olhar seja o fundamento dos oceanos. Como poderá cair uma âncora do teu ser e orientar a corrente das lágrimas para as águas calmas de esquife? Quando nós somos apenas dois animais e não existe ninho para o nosso calor de mamíferos criando monumentos ao sol, bandeiras patibulares de sede e suor. É certo que a areia afoga as nossas lágrimas, a areia as nossas lágrimas. Mas quando ficaremos enxutos?



V

Ao passo que a não concretização do milagre revele ser afinal a essência da nossa possibilidade. Eu espero que tu venhas, diáspora entre o teu olhar e a minha mão a sentir. Nesta canção que inventei em silêncio do canto porventura, ora de repente em esperança pelo tempo que nos afasta para o interior do silêncio nocturno. Poder-se-á dizer que eu existo em vertigem deste abismo mas talvez a gravidade seja uma queda de necessária desilusão ao fundo de mim. Chegar e não ver ninguém, descobrir-me o ninguém, a alma que me responde quando falo comigo fragmentada em milhões de pedaços espelhados pelo universo, que não me pertencem, que não me obedecem. Pedaços universo.



VI

Os objectos repousando a espera do nosso toque. Aos cantos mais infinitos da impossibilidade do nosso toque, retendo a sombra e também talvez os tesouros mais profundos. Quem sob o hálito espreita e sobre o muro do pensamento, roçando o musgo húmido do abandono caindo para lá. Cresto pedaço de um tecido soblingual caindo-nos em véu de poeira. Há silêncio entendido, porém antes que o tempo não possa desatar mais o nó da espera. Sabes o vento nos milhais e depois um sopro vazio, o nascimento do vácuo no nosso coração. Pouco pedra pomes. Sabes já de poente a cancela que se abre. Poderia ser que outro pássaro se perdesse.

2 comentários:

rogério disse...

a princípio pareceu-me indestino mas depois reparei que era “indestinto” e perdeu o encanto todo.. o demais texto parece-me todo muito, como é que hei-de dizer, ora portanto, gráfico, sim isso gráfico.. queres que te faça um desenho é?

Ana disse...

"Mas é preciso acreditar com as mãos, com a pele, com a boca, com a ferida do olhar..."
Gostei :)

É como em tudo...acreditar com intensidade é a semente...depois é só regar, cultivar, podar...eternizar.
O texto tem passagens que sabem bem. ;)
bjo. Ana

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